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terça-feira, 29 de março de 2011

Herói – uma questão entre viver, morrer e sobreviver ao tempo

O desespero tomara conta daquele lugar. Ninguém ali sabia o que estava acontecendo, só sabiam que ali tinha muita, mas muita gente correndo desenfreadamente. Ao longe se podiam ouvir os gritos desesperados de uma mãe que provavelmente perdera seu filho na multidão; ao mesmo tempo em que se ouvia também um cachorro que, desnorteado, latia diante daquele tumulto como se perguntasse: “Por quê?”. Logo, as pessoas que por ali passavam e se agregavam à multidão pensaram tratar-se de um incêndio no prédio de onde a maioria das pessoas estavam saindo, outras pensavam em assalto. Quando cheguei lá, confesso, pensei ser mesmo um ato terrorista –não pensaria isso antes das belas torres gêmeas do World Trade Center serem destruídas, mas esse fato me marcou profundamente.
Um senhor que, estranhamente não se juntara à multidão e como eu, estava apenas observando tudo de longe, do barzinho do “Seu” Freitas na esquina, aproximou-se de mim com um ar de indignação, chacoalhando a cabeça levemente. Tratou logo de dizer: “O sujeito que faz isso só quer é chamar atenção. Eu num ligo não, quiser se matar, que se mate de vez e deixa o resto do povo em paz!”
Concluí rapidamente que todo aquele alvoroço tratava-se de alguém tentando suicídio. Não me contive e aproximei-me um pouco mais atravessando a rua. Era mais um na multidão agora, que olhava para aquela janela no 13º andar, onde pude ver a figura de um homem, um jovem homem que, chorando, olhava fixamente para o chão sem dizer uma palavra. Durante uns 10 ou 15 minutos, tudo permaneceu da mesma forma e eu fiquei pensando sobre a vida daquele rapaz, que motivos o levariam a querer acabar com a própria vida? Seriam esses motivos realmente suficientes para se desperdiçara a sua única chance? Não sei. Na verdade, a partir daquele dia passei a pensar mais sobre a vida, sobre o que ela significa e sobre tudo o que a gente faz.
Minutos depois, perdida em meus pensamentos na observação daquele drama, eis que surge uma mulher desesperada, também chorando, acompanhada de uma garota de aproximadamente 14 anos que segurava firmemente a sua mão – eram a mãe e a irmã do rapaz – que a polícia permitiu a entrada para que pudesse haver um acordo que não terminasse em tragédia. Um jornalista e um policial foram liberados para acompanhar as duas, que estavam muito tensas. A multidão, que na expectativa ficara em silêncio, parecia ainda mais mórbida no momento em que as pessoas que entraram no prédio chegaram perto do rapaz.
Enquanto o jovem segurava as mãos de sua mãe e falava com ela, o jornalista ia anotando todas suas palavras, como se previsse (por motivos óbvios) que aquelas palavras poderiam ser as últimas. Assim, com uma conversa de 5 minutos com sua mãe, o rapaz se colocou em pé no parapeito da janela, e abrindo os braços, jogou-se e voou, voou de encontro ao solo com um sorriso no rosto de dever cumprido, sorriso este que fora desintegrado como todo o seu corpo em contato com o solo.
A cena foi chocante para quem viu; pessoas chegaram a passar mal. Perplexa, não quis olhar muito para o corpo que já se encontrava coberto, fiz diferente de todo mundo que saiu de lá: esperei. Esperei pelo jornalista que saiu do prédio calado, pensativo e quando ele estava indo para o carro, fui até ele e apenas indaguei um simples  ‘por quê?’ Ele, sem responder nada, retirou de seu bloco a folha com o curto diálogo que eram as últimas palavras do rapaz com sua mãe. Quando comecei a ler, me vi em meio aquela tensão, e logo fui compreendendo todo aquele aspecto calado do jornalista. Lembro-me como se fosse hoje, nas exatas palavras, o que estava escrito naquele papel:
“Meu filho, por que está fazendo isso? Por acaso não tem uma família, um emprego, uma casa para morar?”
“Mãe, minha mãezinha. Sabe que a senhora sempre foi a melhor mãe do mundo, nunca mediu esforços para nos dar o que precisávamos. Foi uma vida de luta mãe, e te agradeço por tudo isso, mas creio que a senhora nunca soube me compreender, só sabia dizer que eu era um jovem rebelde, que teria que me encaixar na sociedade. Nunca soube enxergar que por trás de qualquer rebeldia aparente existe um desejo de liberdade, um desejo de querer que  a sociedade nos aceite, nos compreenda,  e compreenda também que tem que mudar. Eu, mãe, apesar da minha linha de raciocínio, acabei tendo que submeter os meus valores a essa sociedade. Se eu nada pude fazer  para mudar o mundo, se todo o meu esforço e o de todas as pessoas que tinham um mínimo de consciência não valeu a pena, o que valerá? Heróis são aqueles que tentam salvar o mundo e são lembrados para sempre, e eu acho que eu prefiro morrer do que ser esquecido.”
Foram essas as palavras ditas antes dele retirar seu sapato social, fechar os olhos, abrir os braços e voar para sua liberdade.
Até hoje me lembro da expressão daquele jornalista, a frustração da mãe do rapaz, a indiferença do povo. Talvez vivo ele não tenha conseguido mudar o mundo (ou pelo menos fazer uma pequena parte para que isso aconteça); talvez ele jamais possa ser chamado de herói ou tenha seu rosto estampado pelo mundo todo, mas onde quer que ele esteja hoje, se eu pudesse lhe dizer o quanto essas palavras mudaram minha vida, com certeza o chamaria de herói, pois mesmo que apenas 4 pessoas daquela multidão que o assistia sabibam realmente o porquê da sua morte, e mesmo que aquele papel que o jornalista me deu ainda esteja comigo(talvez por um ato de não-heroísmo ele não tenha publicado), tenho certeza que com essas palavras estarei fazendo minha parte.
                              
(Baseado na música ‘These Days’ da banda Bon Jovi. Escrito em 07/10/2009)

2 comentários:

  1. Dificil postar um comentário interessante depois de realmente ler esse texto e pensar em tantas coisas que perdemos, tantas opções temos pra mostrar quem realmente somos ao mundo e por motivos banais.
    Bela escolha Tania, você realmente sabe onde tocar as pessoas, você sim faz a sua parte.

    Bjos, o Zip te adora

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