Confissões
E
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la sentou-se com seu
caderno sobre o colo, pois pretendia fazer uma confissão e esta era a única
maneira que conseguia se libertar das palavras que lhe sobravam. Segurando a caneta firmemente, fechou os
olhos e deixou fluir o que estava em sua mente. A mão deslizava sobre o papel
de formas diversas - vertical, horizontal, em curvas – algumas eram impossíveis de identificar.
Ao
abrir seus olhos, deparou-se com letras e palavras totalmente desconexas e ao
mesmo tempo compiladas num só turbilhão de pensamentos. Talvez tivesse acabado
de reproduzir exatamente o que quisera, confessando-se internamente.
Após
compreender-se melhor diante daquele emaranhado de rabiscos, todos os seus
sentidos foram se abrindo ao ambiente onde estava. Seus olhos começaram a notar
cada objeto daquele quarto em que ela se encontrava sozinha, tão longe de tudo
e de todos que amava. Tudo parecia tão singular e sem vida, nenhum daqueles
objetos lhe significava nada, não havia uma história que pudesse prender com
afeto seu olhar em algum deles.
No
chão de madeira ainda havia um pouco de brilho apesar de já ser bastante velho
e ter sido pisado sabe-se lá por quantos pés diferentes. Sobre ele, no centro
do quarto, uma velha cadeira de ferro repousava quase imperceptível até então,
coberta com almofadas cinzentas já gastas.
A
janela enorme no centro da parede que ela observava bem de frente pareceu
unir-se à cadeira pelas cores e pelo material similar de que eram feitas. Tão
singular essa visão, como se esses objetos tivessem sido propositalmente feitos
um para o outro e que se um deles faltasse o outro talvez nem fosse notado.
A
cama não era das mais confortáveis, era baixa e tinha um colchão tão fino que
ela podia sentir o estrado de madeira quando se deitava. Mesmo assim, naquele
momento, parecia o lugar mais aconchegante do mundo, pois fora ali que ela
havia acabado de libertar-se dos seus pensamentos inóspitos.
Seus
ouvidos agora atentavam para a fina e insistente chuva que caía, e como
majestade, só o barulho de suas águas imperava sobre todo e qualquer outro
ruído. De repente, ao fundo, alguém começou a soprar tristemente uma gaita,
forçando-a a reproduzir em seus acordes toda a melancolia da qual aquele sopro
estava carregado.
A
chuva batia no chão em pequenos estalos compassados que acompanhavam a música
da gaita e arrancavam daquele solo tão rústico e empoeirado o mais singular e
natural perfume que ao entrar por suas narinas, trazia-lhe tranquilidade.
O
ar começava a soprar mais frio e ela se acalentava com uma velha manta azulada
que até então estava amassada e esquecida em um canto da cama. Sua pele se eriçava
a cada rajada de vento que entrava de surpresa pela janela totalmente
escancarada, mas mesmo assim ela não tinha vontade de fechá-la.
A
luz que entrava no quarto era quase nula. Tudo estava sombreado da maneira mais
deprimente possível, sem vida, sem cor, tão apagado quanto o sol encoberto
pelas nuvens grossas.
Mas
a mente dela estava mais viva que nunca, mais atenta e leve que nas horas em
que o sol brilhava com todo seu esplendor.
E talvez o fato de o sol brilhar demais a maior parte do tempo tenha
feito com que ela permanecesse na penumbra, totalmente cega e ofuscada sem
conseguir se encontrar.
Enfim
conectou-se com o resto do mundo, encontrou-se quando menos esperava no meio
daquela tarde onde tudo era cinza, onde nenhuma luz ofuscava e nenhuma sombra escondia,
mas tudo era revelado de forma equivalente.
O
silêncio a fez ouvir os barulhos mais prazerosos, a falta de claridade a fez
enxergar tudo com singularidade e exuberância. Fez-se parte daquele quarto que
antes lhe causava estranheza, reconheceu-se no meio daqueles velhos móveis
antes tão repugnantes. Aceitou que agora ali era seu lugar, não pertencia mais
ao passado. Confessou a si mesma quem era sem necessitar de nenhuma palavra
para isso.
Tany ~ abril 2013 ~
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