Gota de chuva
Hoje, enquanto caminhava, a chuva começou a cair. Não veio
leve, branda como de costume. Chegou intensa, repentina, pesada, batendo forte
contra minha pele sem aviso prévio, mas isso estranhamente não me incomodou.
Não acelerei o passo, como naturalmente deveria ter feito. Decidi sem muita
reflexão continuar meu percurso na mesma velocidade que o faria em um dia
ensolarado.
A pancada de cada enorme gota contra meu
rosto, meus cabelos que rapidamente se encharcaram e minhas roupas já pesadas
pareciam oferecer-me um alívio momentâneo para a imensurável dor que carregava
no peito. É como se meu corpo em contato com a água gelada da chuva
torrencial que caía achasse uma desculpa para desviar a atenção do coração
despedaçado por sentimentos e, por instantes quase que imperceptíveis, senti a
dor amenizar. No entanto, mal sabia eu que bastariam alguns passos para ser
inundada pela angústia novamente. E ela veio forte, sorrateira, enchendo meus
olhos de lágrimas que não pude evitar que rolassem em meio às gotas frias que
já escorriam pelo meu rosto. Elas eram muitas, carregadas, como um dilúvio
interno que resolvera se misturar à água que vinha dos céus.
Assim como a chuva, todas as lágrimas fingiam anestesiar a dor por um
instante, só para que em seguida toda a razão do meu pesar voltasse ainda mais
intensa e corroesse meu peito feito ácido na carne.
Lembrei então que dizem que a chuva
"lava a alma" e que as lágrimas "colocam a tristeza para
fora". Mera bobagem, discurso velado. Naquele momento ambas me sufocavam
dentro do meu próprio corpo até que eu desejasse ser matéria líquida para poder
me misturar a elas e escorrer sem destino para não mais sofrer.
Comecei a pensar, no meio deste turbilhão
de sentimentos, que não pode haver senso comum para a dor. Lembre-me das aulas
de anestesiologia de outrora, quando o professor repetia enfaticamente que “a
dor é individual e subjetiva”. Entretanto, uma coisa é certa: toda dor dói mais
na solidão e toda lágrima cai mais sincera quando ninguém vê.
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